sexta-feira, 1 de agosto de 2008

De Cadeira para Cadeira
Num dos cantos do mercado Público – sabe aqueles que vendem de tudo que a gente imagina: peixe, carnes, coisas de todos os cantos do país; que têm o teto bem alto e geralmente estão localizados perto do porto, lugar onde antigamente havia muito movimento – estava uma cadeira. Citada! Tinha um jeito antigo, suas patas eram cheias de voltinhas. Era feita de madeira e tela de palha e estava com uma das patas quebradas. Além de velha e quebrada, sentia-se doente e com vontade de rever e conhecer seus parentes: filhos e netos que foram viver em outros lugares.
A cadeira vivia mais era de recordações; dos tempos em que havia shows e grandes espetáculos, movimento dia e noite no mercado. Tempo em que ela era sempre rodeada de gente, e as cadeiras eram colocadas sempre umas perto das outras.
Mas de que adianta o passado? O futuro não lhe apresentava muita ou nenhuma possibilidade de ser feliz.
Além de ficar naquele canto, sujo e sem movimento, a única coisa que fazia era escutar a rádio do mercado. Uma rádio Am, que passava o dia todo falando em coisas de policia e apresentando musicas antigas. E foi justamente por isso que ela teve uma idéia: escrever para a rádio, para ver se localizava a sua neta, que era seu maior sonho na vida. Foi o que ela fez: escreveu uma carta, contando seu sonho.
Longe dali, dois ou três dias depois, uma empregada doméstica, que nas horas de folga, limpava as vitrines de uma galeria, localizou por acaso, no escritório de uma loja, uma cadeira com o mesmo sobrenome que havia dado na rádio – uma cadeira não muito nova, nem muito velha, daquelas de rodinhas embaixo, estofadinha, com um pequeno furo na costura do estofamento – e perguntou se ela conhecia uma cadeira magra, de madeira, com tal sobrenome.
A cadeira estofadinha se pôs a chorar, dizendo que sim, que era sua mãe, a qual não via há muito tempo; que não a procurava porque lá pros lados do mercado, não havia mais movimento. Ela contou, também, que havia saído de casa na época dos movimentos hippies,e que rodou o mundo, gostou dos Rolling Stones, fez protestos contra as guerras, e muitas outras coisas. Falou que teve uma filha, a qual fora criada com outra família, porque, na época, ela não tinha condições de cria-la e que, depois não quis atrapalhar a vida da cadeirinha.
Foi nesse instante que a empregada doméstica revelou que a cadeira do mercado estava procurando justamente, a neta: ou seja sua filha. “Então vou localiza-la e falar que ela possui uma avó, a qual está à sua procura”.
A cadeira estofadinha foi e colocou o anúncio na mesma rádio, procurando sua filha. Passaram-se os dias e nada de resposta. Ela, então pensou que a cadeira que procurava não escutava a rádio Am – era muito jovem e trocou de rádio; colocou o anúncio em uma rádio Fm. Porém, a resposta não veio. Procurou então na lista telefônica e o nome da família não constava. Ela ficou muito triste, pensou que tal família não morasse mais naquela cidade.
Mas não desistiu. Colocou o anúncio em uma Tv a cabo. Não é que a cadeira teve resposta? Um dia, quando ela menos esperava, o telefone tocou. Era a produção da Tv a cabo, avisando que haviam localizado a cadeira procurada. Ela estava em um shoping center, era de ferro e fórmica, toda colorida e trabalhava muito; só olhava Tv a cabo e tinha telefone celular, por isso seu nome não constava na lista telefônica. Esta tinha vontade de conhecer seus familiares, mas não sabiam quem eram, nem onde procura-los e que suas relações atuais eram comerciais e muito distantes, que ela sentia falta de uma relação mais íntima, onde pudesse confiar suas carências. Tudo isto acontecia por ela ser fixa na mesa de uma lancheria.
O encontro, então, foi marcado pelo pessoal da Tv e as três gerações ficaram felizes por terem se reencontrado e começaram a se visitar sempre que podiam.

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